quarta-feira, 16 de março de 2016

PRISÃO DE SUSPEITOS É PRECEDENTE PARA DEFINIR TROLAGEM COMO CRIME

BUSÓLOGOS FIZERAM TROLAGEM HUMILHANDO QUEM REPROVASSE A PINTURA PADRONIZADA NOS ÔNIBUS DO RIO DE JANEIRO.

A prisão de vários suspeitos acusados de despejar comentários racistas contra atrizes, apresentadoras e mulheres jornalistas, entre outras humilhações, abre um precedente para a punição de praticantes de trolagem, que podem ser enquadrados em crime de formação de quadrilha, entre outros motivos.

Um dos suspeitos, Tiago Zanfolin Santos, de 26 anos, acusado de estimular ataques raciais contra as atrizes Taís Araújo, Cris Vianna e Sheron Menezzes e a jornalista Maria Júlia Coutinho, a Maju, foi detido quando estava em Brumado, no interior da Bahia. Ele é funcionário de uma empresa de informática.

Outros suspeitos foram detidos em outras partes do país, como São Paulo e Santa Catarina. Há outros mandados de busca e apreensão, totalizando 11. Tiago foi identificado como um dos líderes de uma "organização criminosa" que realizava ofensas pela Internet.

A trolagem é cometida visando dois objetivos: defender valores pré-estabelecidos, relacionados ao poder do mercado, da mídia e da política, ou expressar preconceitos sociais graves. Seus praticantes estão associados desde à intolerância social contra negros e homossexuais até propagandistas de causas de extrema-direita.

BUSOLOGIA SOFREU TROLAGEM ENTRE 2010 E 2013

Uma onda de trolagens veio quando um pequeno grupo de busólogos do Rio de Janeiro passou a defender a pintura padronizada e outras medidas arbitrárias impostas pelo prefeito carioca Eduardo Paes.

Comentários agressivos, xingações e bordões do tipo "pare de falar besteira", dados contra quem discordava das arbitrariedades no transporte carioca, eram feitos ainda nos tempos do Orkut. Mas depois elas foram invadir até petições (abaixo-assinados digitais) contra a pintura padronizada e investir em ofensas pessoais gratuitas.

De repente, a busologia, que era um hobby que permitia o debate saudável sobre ônibus, virou um antro de intolerância e de "pensamento único" (num claro trocadilho com o Bilhete Único). Ofensas pessoais incluíam até mesmo o estado civil de busólogos, com humilhações violentas contra pessoas solteiras.

Dois principais suspeitos teriam promovido as trolagens, segundo denúncias de vários busólogos, que não quiseram revelar seus nomes. Um estava a serviço de uma prefeitura da Baixada Fluminense e chegou a criar um blogue de ofensas, intitulado "Comentários Críticos" - desativado após denúncias ao SaferNet, portal ligado a receber denúncias de crimes - , para humilhar busólogos diversos.

Outro, mais jovem, tornou-se mais tarde um colaborador de um grupo de busólogos. O rapaz costumava mandar mensagens usando pseudônimos diversos, inclusive de gente famosa, sempre com comentários "picantes" e "jocosos", sempre explorando o estereótipo de um "tarado gay".

Os dois foram denunciados pelos próprios amigos e a busologia do Rio de Janeiro sofreu uma crise, que fez com que a então ascendente prática fosse mais uma vez vítima de discriminação (era comum alguém que gostasse de ônibus fosse visto como estranho). Só que os busólogos do Rio de Janeiro passaram a sofrer discriminação por outro motivo: por estarem sempre brigando e xingando.

COMO SE DÁ A TROLAGEM

Geralmente, uma trolagem costuma surgir de repente, através de uma série de mensagens ofensivas que são publicadas quase ao mesmo tempo, num horário combinado com antecedência por um líder e seus amigos, não necessariamente cúmplices nestas práticas de humilhação.

O espaço varia, podendo ser uma página de recados da vítima, uma postagem ou um outro fórum na Internet. Os busólogos envolvidos recorreram a um abaixo-assinado contra a pintura padronizada nos ônibus cariocas.

A trolagem segue o mesmo caminho. Num primeiro momento, comentários irônicos são publicados, aparentemente sem agredir a vítima. Observa-se as gozações sutis e alguns lamentos sobre o ponto de vista da vítima.

Depois, quando a vítima percebe os comentários, independente de reação ou não - como, por exemplo, um simples ato de apagar tais mensagens - , o envio de mensagens continua massivo e começam a surgir as primeiras ofensas abertas.

Num terceiro momento, as mensagens partem para ofensas ainda mais violentas e ameaças. O líder da trolagem geralmente decide criar um blogue de ofensas, se utilizando indevidamente do conteúdo pessoal da vítima, reproduzido de forma pejorativa. Em casos extremos, o agressor passa a rondar a cidade onde vive a vítima, para intimidar.

Em 2015, casos de trolagem envolvendo famosos vieram à tona, chamando a atenção da opinião pública sobre a prática abusiva de humilhações na Internet. Pessoas que defendiam ideias e projetos retrógrados, só porque estavam na moda ou parecem novidade, além dos que despejaram comentários racistas e homofóbicos, passaram a chamar a atenção da Justiça e das autoridades policiais.

Daí que a prisão dos cinco suspeitos ligados aos ataques raciais contra famosas negras foi um precedente para condenar a trolagem na Internet, fazendo com que certos valentões pensem duas vezes antes de agredir alguém que não concorda com as convicções pessoais dos agressores.

domingo, 6 de março de 2016

NOVA IGUAÇU IMPÕE PINTURA PADRONIZADA JÁ ATROPELANDO A LEI


"Melhor identificação, maior agilidade, mais transparência, mais rigor na fiscalização". A demagogia adotada pela Prefeitura de Nova Iguaçu para impor o fardamento dos ônibus para o próximo dia 14 repete o mesmo discurso que Eduardo Paes havia dado em 2010, quando empurrou a medida para os ônibus cariocas, com todas as promessas que a prefeitura iguaçuana faz hoje.

Diferentes empresas de ônibus com linhas municipais terão que apresentar duas cores, atribuídas a dois consórcios e usando como desculpa as cores da cidade: Reserva do Tinguá e Serra do Vulcão (?!), ambas enfatizando o logotipo da Prefeitura de Nova Iguaçu.

O discurso "racional" da secretaria de Transporte, Trânsito e Mobilidade Urbana já investe em duas mentiras: uma é de que a pintura padronizada "facilitará" a identificação pelos passageiros, o que não procede, porque diferentes empresas de ônibus exibindo a mesma pintura sempre traz confusão, na correria do dia a dia (as autoridades não conseguem entender o corre-corre dos cidadãos).

PREFEITURA DE NOVA IGUAÇU JÁ COMETE ILEGALIDADES

Outra mentira é de que a pintura padronizada é exigência da licitação, a não ser que seja a "licitação" feita pelos umbigos das autoridades de Nova Iguaçu. A Lei de Licitações (Lei 8.666, de 21 de junho de 1993) NUNCA determinou a padronização visual como norma inerente à natureza de cada serviço.

Pelo contrário: a Lei de Licitações, no artigo 12, inciso II, descreve o seguinte texto, que estabelece condições que em NENHUM MOMENTO se observa na pintura padronizada dos ônibus. Vejamos:

Art. 12. Nos projetos básicos e projetos executivos de obras e serviços serão considerados principalmente os seguintes requisitos:

II - Funcionalidade e adequação ao interesse público

Pintura padronizada não traz funcionalidade. Colocar diferentes empresas de ônibus sob a mesma pintura não é funcional, porque confunde os passageiros, não traz transparência, e, portanto, é tecnicamente inviável esconder empresas de ônibus diante de visuais de "consórcios", "zonas" ou "tipos de ônibus" que as autoridades impõem em várias partes do país.

Demagogicamente, as autoridades tentam vender como "adequação ao interesse público" a implantação de ar condicionado, a construção de pistas exclusivas - que em muitos casos só serve à corrupção de empreiteiras e, não raro, destroi áreas ambientais, moradias populares e patrimônios históricos - e compra de ônibus alongados.

Isso é o mesmo que dizer que uma prefeitura realizou um projeto educacional pelo simples fato de reforçar a merenda escolar da criançada e, ainda por cima, com cachorro quente e hambúrguer como opções de lanche.

Dar "presentes" ou desviar do foco das necessidades pessoais não é adequar ao interesse público. Além disso, a pintura padronizada, com esses "presentinhos" - o do município do RJ foi o do hoje desastrado BRT - , burla outra lei, o Código de Defesa do Consumidor, Lei 8.078, de 11 de setembro de 1990, que diz claramente em seu artigo 39, inciso IV:

 Art. 39. É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas: (Redação dada pela Lei nº 8.884, de 11.6.1994)

 IV - prevalecer-se da fraqueza ou ignorância do consumidor, tendo em vista sua idade, saúde, conhecimento ou condição social, para impingir-lhe seus produtos ou serviços;

O fato de informar aos passageiros, através de panfletos ou propagandas, sobre a pintura padronizada, não significa que esteja evitando essa prática abusiva, até porque a Prefeitura impõe uma medida contrária ao interesse público e apenas tenta "justificar" a medida e forçar a aceitação popular (que é o abuso descrito no referido inciso) através de "promessas de melhorias, agilidade e transparência".

Em outras palavras, a Prefeitura tenta dar "argumentos técnicos" e também dar "presentinhos" - ônibus novos e, em muitos casos, com configuração mais avançada (ar condicionado, chassis sueco, comprimento alongado) - para forçar o apoio popular a uma medida que nada tem de benéfica ao interesse público, já que esconder empresas de ônibus sob uma pintura única é sempre prejudicial.

Outra ilegalidade é que o secretário de Transportes, Trânsito e Mobilidade Urbana de Nova Iguaçu defende o "novo sistema" como uma "concessão". Neste sentido, ele entra em choque violento com o que determina o artigo 11 da mesma Lei 8.666:

Art. 11.  As obras e serviços destinados aos mesmos fins terão projetos padronizados por tipos, categorias ou classes, exceto quando o projeto-padrão não atender às condições peculiares do local ou às exigências específicas do empreendimento.

Ele leu o artigo às pressas e só viu as palavras "padronizado" e "projeto-padrão" e ignorou que o artigo estabelece as condições de que a medida não deve ser implantada se ele não atende às exigências específicas do entretenimento.

ANALISANDO JURIDICAMENTE

Se um sistema municipal de transporte coletivo é uma concessão pública para serviços de empresas particulares, não há como a Prefeitura impor um vínculo de imagem. Isso é ilegal. Na concessão, o poder público concede as linhas, as empresas particulares é que devem ter o direito de imagem, de ter cada uma a sua respectiva identidade visual.

Se o poder público impõe pintura padronizada (que é a imagem do poder municipal ou estadual através de consórcios previamente concebidos pelo poder político), ele deixa a concessão pela metade. Ele concede o serviço de ônibus pela metade, porque fica com a "imagem".

O vínculo de imagem desfaz metade do sentido da concessão praticada pelo poder público, ela perde o sentido porque a Prefeitura ou, em outros casos, o Governo do Estado, querem manter um vínculo de imagem nas frotas de ônibus que operam num serviço.

Portanto, o sentido do artigo 11 da Lei de Licitações é completamente perdido e a Prefeitura de Nova Iguaçu mente ao dizer que a pintura padronizada é uma exigência desta lei, a não ser se o município criou uma "lei de licitações à moda da casa".

SECRETÁRIO DE TRANSPORTES DE NOVA IGUAÇU ENTRA EM CONTRADIÇÃO

Além disso, o secretário se contradiz quando, ao dizer que vai divulgar em panfletos as mudanças adotadas, que a questão não é a pintura padronizada, mas a qualidade de serviço. Aí ele deu um tiro no pé, porque deixou vazar que a pintura padronizada poderia não ter sido usada nas mudanças.

Afinal, há uma grande confusão administrativa dos modelos de transporte coletivo adotados em cidades como Rio de Janeiro, Niterói, São Gonçalo, São João da Barra, Araruama, Cabo Frio, Volta Redonda, Barra Mansa, Campos, Nova Iguaçu e outras, só para citar o território fluminense.

Nesta confusão, as autoridades não conseguem definir se o sistema é uma intervenção estatal, uma parceria público-privada, ou mantém as velhas relações entre Estado e iniciativa privada no transporte coletivo. Dependendo do discurso, as autoridades dizem uma coisa, dizem outra ou recorrem à terceira ideia.

Além disso, as próprias atribuições do secretário de Transportes, transformados em um "super-xerife", com poderes concentrados que revelam mais autoritarismo e menos responsabilidade consigo mesmo, são bastante confusas.

Em vez de ser um fiscalizador, o secretário de Transportes vira dublê de empresário de ônibus. E, agindo com mãos-de-ferro, confunde as atribuições de alguém que apenas fiscaliza e aplica as determinações da lei com as de alguém que manda e impõe medidas, em muitas vezes por convicções pessoais. É como se, na administração de um condomínio, se confundisse a função de um vigilante com a de um síndico.

Atualmente, o sistema de ônibus do município do Rio de Janeiro revelou sua tragédia. São seis anos num pesadelo que inclui ônibus padronizados, dupla função de motorista-cobrador e esquartejamento e desativação de percursos. É o que esperará em breve a população de Nova Iguaçu.

É uma tragédia representada por muitos mortos em acidentes, pessoas assaltadas à espera de ônibus, cobradores demitidos com muitas contas a pagar e famílias a sustentar e pessoas pegando ônibus errado devido à pintura padronizada. Será que temos que viver eternamente essa tragédia, enquanto temos que acreditar na conversa mole das autoridades tecnocráticas?